Mozfest, Amsterdam 2024

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Reativando esse blog depois de anos para escrever um breve relato de minha ida a Amsterdam no início de junho de 2024, sobretudo para participar do Mozilla Festival.

Considero a Mozilla – que, entre mil outras coisas, cuida do navegador Firefox – um dos atores globais mais importantes na luta por uma internet melhor, por isso fiquei feliz de ter me aproximado mais da valente e diversa comunidade da organização – uma comunidade que conheci mais proximamente (embora não tanto como gostaria) em 2018-2019 quando fui um dos Mozilla Open Leaders em um projeto conjunto com os amigos Mariana e Jorge do Artica Online, do Uruguai, e Dani Cotillas (Espanha).

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Neste ano, o tema do encontro foi “AI Trustworthy”, com o mote “On Togetherness & Solidarity”, o que já mostra um pouco da pegada do evento: juntar ativistas, desenvolvedores (muitos do software livre), artistas e participantes de organizações da sociedade civil para destrinchar e buscar construir sistemas de IA mais justos e transparentes, ou ao menos mitigar seus problemas caso eles realmente precisem existir. Este foi o tema mais comentado numa das principais mesas do evento, “We are Life: AI Accountability During War“, onde ativistas/pesquisadores da Ucrânia (Olga Tokariuk), Palestina (Marwa Fatafta) e do Congo (Kambale Musavuli) lembraram como a IA pode ser (e está sendo) usada para matar. Marwa Fatafta, em particular, deixou claro e de forma eloquente como os sistemas de IA em drones e de reconhecimento facial estão sendo usados por Israel para literalmente escolher quem deve viver e quem deve morrer na Palestina, enquanto Kambale Musavuli nos lembrou dos estragos em seu país que a busca por matéria-prima para IAs tem causado – o país tem milhares de trabalhadores (e crianças!) em condições precárias em minas de cobalto, metal azul prateado usado para fabricar baterias de íons de lítio que fornecem energia para diversos dispositivos tecnológicos.

Chamou atenção também o papel do jornalismo nessa edição do evento. A parceria com o Pulitzer Center rendeu três mesas onde jornalistas do mundo todo contaram de suas investigações sobre Accountability AI, dos “ghost workers” por trás dos treinamentos de dados para sistemas de IA até a proliferação de deep fakes turbinados por IA no WhatsApp. Uma das principais falas do evento foi também de uma jornalista, Mona Chalabi, que faz visualizações de dados incríveis para assuntos de interesse público no NY Times e no Guardian, mostrando como até aí é possível trazer características mais humanas – portanto, sensíveis e divertidas – que nos tiram do torpor do “doom scrolling” dos automatismos tecnolinguísticos.

Outro momento importante pra mim foi ver a Royal Shakespeare Company, uma das mais tradicionais companhias de teatro do mundo, que não se furta a brincar com tecnologias digitais de co-presença desde 2011, quando citei eles no meu livro sobre teatro digital, “Efêmero Revisitado“.

Dá para assistir todas as principais mesas no canal do Youtube.

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Em Amsterdam, também conheci parte do (enorme) departamento de Media Studies da Universidade de Amsterdam, uma das principais referências hoje nos estudos de plataformização, comunicação política e cultura digital. Meu guia por um dos campus, Gabriel Pereira me mostrou também como foi incorporado à universidade o headquarters da Companhia das Índias Orientais, provavelmente a 1º startup colonial do planeta, que entre 1603 e 1799 formou colônias em diversos cantos do planeta (inclusive o Brasil e especialmente a Ásia) para trocas comerciais, usando para isso mão de obra-escrava e diferentes (e cruéis) formas de exploração de pessoas e locais. Gabriel também me levou para um ótimo restaurante vietanamita no centro da cidade, uma portinha ao lado de um coffeshop numa rua estreita perto da Universidade.

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Conheci também, finalmente de forma presencial, Geert Lovink, ativista e pesquisador referência nos estudos críticos da internet desde os anos 2000. Dele publicamos, ano passado, “Extinção da Internet” – que revisei a tradução e escrevi o prefácio – primeiro livro completo publicado no Brasil por Geert, que tem uma extensa carreira de livros e obras publicadas. Visitei a sede do INC, Institute of Network Cultures, criado em 2004 por Geert dentro da Universidade de Ciências Aplicadas de Amsterdam, um enclave difusor de conhecimento sobre cultura da internet, conhecimento livre, arte e política digital, sobretudo a partir de seus livros (todos livres pra download) que documentam as transformações da internet ocorrida nessas duas últimas décadas. Levei alguns exemplares do “Extinção da Internet” para Geert, além do “A Cultura é Livre” e “Manifestos Cypherpunks” e trouxe de volta alguns outros do INC.

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Deu para conhecer um pouco Amsterdam, de bicicleta e de barco, e de visitar também um local histórico particular do meu interesse: a praça Spui, lugar dos venturosos Provos de Amsterdam, um dos primeiros movimentos da contracultura dos anos 1960 e inspiração até mesmo para o Festival BaixoCentro de SP, em 2011.

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